quinta-feira, 28 de abril de 2016

Repelente


Antes mesmo de por os pés no mundo já ouvia  falar de amor, do bem e da falta que faz. Ouvia muito, via pouco.
De uns tempos pra cá, diziam que o amor acabou, que a culpa era de quem deu a quem não merecia. Nunca acreditou. 
Decidiu que se não via o dos outros, mostraria o seu.
Às vezes conseguiu. Às vezes mais, às vezes menos. 

Queria que fosse sempre mais e só não era porque muitos não reconheciam o amor, mesmo a uma pequena distancia; Queria, mas não podia emprestar os olhos.

Vez por outra ouvia aquela comparação ridícula entre amor e carência. Era um tapa na cara, doía, mas Lidava com a confusão - natural de quem não tem intimidade com sentimentos - de maneira singela. Estava decidido, amaria.

E amou. Amou porque para ele, o sentido do amor era "ida".

O amor "de volta" é reciprocidade.

Sabia que só a ida dependida dele,que   talvez nunca tivesse volta, e foi.
Dizem que foi longe, até onde conseguiu.
 
Seguiu a vida (Só)rrindo por aí, leve, livre, amando sem juras, lançando amor ao vento. 

Certeza nenhuma! Só torcia que o sopro fosse certeiro. 

Dizem que já foi mais forte. 
Acho que não. 
É que hoje resiste ao ímpeto de encher os pulmões e gritar que o amor não acabou.
É que hoje se poupa, 
É porque aprendeu que amor também é questão de fôlego.

É preciso saber lidar com quem não sabe ser amado e repele. É preciso insistir, é preciso ter fôlego pra isso.



terça-feira, 8 de março de 2016

Não é questão de gênero

Não tem coisa de homem ou coisa de mulher, mas sim, homens e mulheres para cada coisa.

Se você é daqueles que acha que mulher tem que baixar a cabeça para marido porque ele paga as contas, e é o homem da casa, acha justo que mulheres que trabalham duro, de igual para igual, com a mesma competência há séculos, recebam salários inferiores dando graças a Deus, vai achar que lutar para que seja diferente é feminismo.

O que faz tudo parecer uma grande ironia é que mulheres lidam com os mesmos dilemas pessoais, profissionais, espirituais, tem uma jornada de trabalho dura e competitiva tal qual a dos homens, se alternam nos papeis de mulher-esposa-mãe-pai, seja por escolha, por sorte ou golpe do destino, são carinhosamente chamadas de sexo frágil, enquanto homens são considerados uma Rocha.

Não deveria ser uma quebra de braços, mas é.
Pensar e agir como se fosse uma luta entre mocinhas frágeis e guerreiros heróis é que faz tudo isso parecer ser um jogo desleal.

Ah se houvesse um mundo em que não precisasse de data para cobrar igualdade de dignidade, onde os direitos adquiridos fossem assegurados e postos em prática por uma iniciativa individual e coletiva, naturalmente. Seríamos mais civilizados se o respeito fosse resultado da consciência e "maturidade social" e não de uma luta diária.

A história está aí provando que tem mulher e homem para cada coisa e não coisas de mulher e de homem, que os grandes feitos da humanidade foram realizados por pessoas que questionaram o padrão comum, rasgaram rótulos, não consideraram a força ou subestimaram a competência baseado no gênero.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Perd(ido)

Eu sei que a vida não é um mar de rosas e não tem lugar para inocência, que mundo é dos mais espertos e o caminho do bem é sempre mais esburacado, que a vida tá cheia de cilada e que é preciso ter coragem para caminhar acompanhado, muita sabedoria para não se permitir ser guiado pela visão turva dos outros, para não se perder.

Porque, se por si só, a gente não chega a lugar nenhum e até para cair precisa de uma pedra onde tropeçar, é preciso torcer para o tombo ser aquela força extra que empurra para frente.

Eu sei que o mundo tá oco, mas só, a gente não chega nem no buraco. 
Tem que ter alguém que cava antes e alguém empurra depois. 
Sempre sobra gente para empurrar.

O mundo está aos avessos e eu sei a gente precisa fazer um esforço gigantesco, todos os dias, para não cavar o buraco de ninguém, para manter a mão estendida, para erguer várias vezes a mesma pessoa. 
A gente tem que ser o lado mais forte da força.

Eu sei que o mundo tá de porre, girando ao contrário, tonto, que o mundo tá todo errado e que ninguém é perfeito...
 
Eu sei que o mundo está perdido, o mundo sabe, mas se a gente acreditar que nenhum buraco é tão profundo que as mãos do perdão não alcance, talvez a gente nem consiga mais o salvar o mundo, mas com certeza a gente sabota o inferno.


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Vidro

Na prateleira de cristais, em algum lugar no mundo de vidro, vivem as pessoas engarrafadas.

Em alguma loja de cristais do mundo de vidro, vez por outra, deixam a janela aberta e um bando de pássaros entra, voa entre as prateleiras, derruba e quebra garrafas.
As pessoas tiram os cacos, cortam as mãos, sangram, mas se libertam.

No mundo de vidro, pessoas que só vêem diabinhos dentro da garrafa trocam janelas por vidraças, os pássaros não entram mais, o bando esbarra e tomba.

Nas prateleiras da loja de cristais do mundo de vidro, algumas pessoas se acomodam dentro de suas garrafas, outras ficam presas no gargalo.

Em algum lugar do mundo de vidro, numa loja de cristais, pessoas engarrafadas torcem que a bola de um menino acerte a vitrine, um bando de gente reza por um voo certeiro e rasante de um pássaro doido.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Giratório

Todos os dias ocupa lugar na cadeira luxuosa. Ordena e desordena.
Faz sombra na vida alheia, como uma nuvem que soberba e desdenhosamente, julga a quem conceder lugar ao sol.
Há muito já não toca o chão, a cadeira é alta e os pés curtos.
Voou alto, chegou ao topo, pousou sozinho.
Permanecerá até o dia em que souber que a vida é uma eterna dança de cadeiras, essa luxuosa que ocupa alto e giratório alçapão de pessoas.
Um dia terá vontade de ser de novo apenas uma folha rodopiando ao vento.





sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Tétris - o jogo da vida




Na amizade, no amor ou no trabalho, é um jogo.
Quando as emoções não se encaixam nas lacunas, o muro cresce.

A gente vai tentando aprender a jogar, já jogando, tentando mover os blocos perfeitamente pra se encaixar na família, no grupo de amigos, no trabalho, ser bem sucedido.

A gente vai juntando, torcendo pelos tijolos trincados, tentando preencher várias linhas ao mesmo tempo, querendo ganhar muitos pontos pra ser feliz.

Se a vida tivesse sobrenome, poderia ser tétris - uma corrida contra o tempo, esse lance de descobrir quase instintivamente, onde se encaixa. Mas a vida também poderia se chamar quebra cabeça, xadrez, tiro ao alvo, arco e flecha.

Quando as emoções não se encaixam e o muro cresce, a gente precisa aprender a voar e pousar suave, porque nem tudo se resolve com força e marreta.